terça-feira, março 08, 2011

As mulheres e as histórias em quadrinhos

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

por Maurício Muniz no Guia dos Quadrinhos

Todo leitor de quadrinhos de longa data, aqueles que cresceram lendo aventuras de super-heróis fantasiados, sabem que era raro, até alguns anos atrás, encontrar mulheres que gostassem de gibis.

E quem poderia culpá-las? Durante a maior parte de sua existência, a indústria dos quadrinhos não pensou muito nas mulheres e nem as retratou de maneira muito justa. As revistas dos super-heróis, com suas tramas cheias de homens musculosos enfrentando vilões loucos e ambiciosos, tinha mesmo pouco do universo feminino. Quase tudo que existia no mercado apelava aos jovens do sexo masculino e sua vontade de viver aventuras e sair da mesmice através dos heróis de papel. As garotas que apareciam nas tramas, muitas vezes, eram pouco mais do que elementos do cenário: uma secretária, a filha de um comissário da polícia, a herdeira rica e entediada. Sua intenção era aparecer como o interesse romântico do herói ou como a dama em perigo.
 
Mesmo  a repórter Lois Lane, que era parte importante do universo de Super-Homem, servia mais como elemento menor da narrativa do que como uma personagem bem construída. Lois não foi criada para que as possíveis leitoras se identificassem com ela. A identificação com Lois, aliás, era difícil. A repórter parecia ter, basicamente, três funções nas histórias do Homem de Aço e até na revista solo que finalmente ganhou: ser salva pelo Super-Homem após algum vilão sequestrá-la, tentar descobrir a identidade secreta do herói ou arrumar uma maneira de casar com ele.


Outras personagens femininas conhecidas, como a Mulher-Maravilha, continuavam atraindo mais os homens e poucas mulheres compravam os gibis com suas aventuras. E, claro, colocá-la como secretária da Sociedade da Justiça nos anos 40, ficando para trás enquanto os homens saíam para salvar o mundo, também não ajudou a criar uma imagem forte para as possíveis jovens leitoras se empolgarem em querer saber mais sobre ela.


Talvez muitas garotas lessem as aventuras românticas e humorísitcas do adolescente Archie, verdadeira instituição das HQs nos Estados Unidos, sendo publicadas desde o início dos anos 40. A Marvel também tentou atrair mulheres para os quadrinhos e lançou em 1945 a revista Millie, the Model (que no Brasil foi publicada pela La Selva e Trieste), sobre uma garota tentando a carreira de modelo em Nova York, que durou surpreendentes 28 anos, sendo cancelada apenas em 1973. Quando Jack Kirby e Joe Simon criaram os quadrinhos românticos com a revista Young Romance, em 1947, várias editoras flertaram com eles e, supõe-se, boa parte do público dessas publicações eram mulheres.


Com o tempo, alguns títulos convencionais passaram a atrair uma parcela do público feminino. Com seus super-heróis que pareciam mais próximos da realidade a partir da década de 60, a Marvel começou a atrair uma parcela desse público.  Susan Storm, a Mulher Invisível, foi um marco na forma de retratar a personalidade feminina, mesmo se os outros membros do Quarteto Fantástico às vezes saíssem com frases meio preconceituosas como "Ah, ela é apenas uma mulher". Na década de 70 e 80, leitoras passaram a interessar-se pelas aventuras do Homem-Aranha – que, apesar do elemento fantástico, tinha suas raízes no mundo dos jovens e seus problemas – e a gostarem das figuras femininas fortes e interessantes dos X-Men e de Elektra, na revista do Demolidor.


Homens e mulheres de areia

Mas nenhum outro título trouxe tanto o público feminino para o mercado de quadrinhos norte-americanos quanto Sandman, a genial criação de Neil Gaiman lançada em 1989. As histórias, centradas no rei do mundo dos sonhos e em seu universo, não se furtavam a tratar de assuntos variados como filosofia, literatura, psicologia e crenças religiosas. Os leitores mais sofisticados aprovaram e começaram a usar o título para mostrar às mulheres em suas vidas – ou as mulheres que eles gostariam que estivessem em suas vidas – que os quadrinhos não tinham apenas homens musculosos se esmurrando, mas que podia existir muita vida inteligente neles.
(Antes que alguém reclame da frase acima: não é que não houvesse assuntos inteligentes nas HQs de super-heróis convencionais. O problema é que elas nem sempre aspiravam a ser algo mais especial, como era Sandman).


A revista escrita por Gaiman logo se tornou um grande sucesso de vendas e, em grande parte, porque as mulheres começaram a comprá-la também. Subitamente, as editoras perceberam algo: mulheres também gostavam de Histórias em Quadrinhos... contanto que elas fossem boas! Com o tempo, mais e mais revistas que apelavam também ao público feminino foram surgindo. Sandman foi uma das revistas que deu origem à linha Vertigo, uma das campeãs de vendas entre as fãs de HQs. Talvez não por coincidência, a Vertigo era comandada pela muito competente Karen Berger, que trouxe uma sensibilidade diferente à linha, talvez por ser formada em Literatura e em História da Arte.

Atualmente, o dinheiro do público feminino é tão desejado pelo mercado que a Marvel até lançou há pouco o título Girl Comics (Quadrinhos para Garotas, em tradução livre), uma revista feita exclusivamente por mulheres, desde à edição até o letreramento. Já a DC tem, entre outros, o título Birds of Prey, que traz uma equipe formada apenas por heroínas, é escrita pela roteirista Gail Simone e já teve desenhos da brasileira Adriana Melo.

Os quadrinhos precisam de mais mulheres

Um dos maiores problemas do mercado de quadrinhos ocidental é que o público não está se renovando. Crianças não são mais atraídas pelas HQs de super-heróis e para aventuras em papel de Batman como já foram no passado. Por isso, é uma boa hora para ajudar a salvar o mercado atraindo as mulheres para os quadrinhos. Talvez não seja uma tarefa das mais fáceis, mas também não é impossível. Diga a elas que no Japão e na Europa as mulheres leem muitas HQs e as adoram (o que, para nossa inveja eterna, é verdade).  Comece a indicar quadrinhos legais e inteligentes para elas. Explique que são como filmes, com boas histórias e personagens cativantes. Quer algumas dicas sobre o que indicar? Aí vão:

Estranhos no Paraíso, de Terry Moore, sobre duas amigas envolvidas com namorados, ex-namorados, amores impossíveis e as tragicomédias do dia-a-dia.

Fábulas, de Bill Willingham, sobre os personagens dos contos de fadas vivendo na Nova York moderna em meio a conspirações, dramas, romances e aventuras. Aqui, o Lobo Mau namora a Branca de Neve. Que mais alguém precisa saber?

Os Mortos-Vivos, de Robert Kirkman e Charlie Adlard, é uma história de zumbis dominando o mundo e pode não parecer a melhor opção de HQ para uma mulher, mas mesmo assim elas adoram. Pode confiar.
Sandman, de Neil Gaiman, é uma das melhores HQs de todos os tempos e um clássico eterno. Se você ainda não sabe porque, vá descobrir.

Fracasso de Público, de Alex Robinson, mostra um grupo de amigos jovens lutando por seus sonhos e por suas carreiras na assustadora cidade de Nova York em meio a muito humor, drama, romances fracassados, empregos ruins e referências ao mercado de quadrinhos.

Retalhos, de Craig Thompson, conta a história do próprio autor tentando achar a felicidade após uma infância complicada e regida por valores religiosos um tanto opressores.

Y: O Último Homem, de Brian K. Vaughan e Pia Guerra, mostra uma praga que mata todos os homens do mundo, com uma exceção: o herói Yorick, que parte por um mundo em caos para tentar achar a namorada perdida. É considerada por muitos como a melhor HQ dos últimos anos.

Scott Pilgrim contra o Mundo, de Bryan Lee O’Malley, tem um herói bacana (mas meio perdido na vida) tentando conquistar a garota mais legal do mundo e se livrar dos sete ex-namorados dela, todos canalhas. da pior espécie Ou seja: mais ou menos o que acontece em qualquer relacionamento...


Maurício Muniz é editor da Gal Editora e do blog sobre Cultura Pop Antigravidade.

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