sábado, junho 14, 2008

Em destaque - Henfil

Ao contrário do que muita gente pensa e diz (ou diz sem pensar) os quadrinhos no Brasil sempre produziram grandes autores, artistas e histórias.


É verdade que nas últimas décadas o talento múltiplo que sempre caracterizou os quadrinistas no país, (que faziam tudo, desde o roteiro, passando pelo desenho, letramento, até editoração e distribuição) vem sendo substituído pela fragmentação da linha de montagem que contamina os mercados estadosunidense e japonês, onde você pode passar toda a vida “fazendo quadrinhos” sem nunca realizar todas as etapas de uma história em quadrinhos. Enquanto formos apenas “estações repetidoras do traço” e veículos de histórias escritas por outros autores não conseguiremos criar um mercado produtor de quadrinhos no Brasil que controle os conteúdos e os lucros gerados por ele, permanecendo nas mãos dos interesses e do gosto de editores e agentes estrangeiros.


Não que eu ache que devemos parar de buscar os mercados estrangeiros ou renegar a influência deles, se alguém ganha dinheiro fazendo hqs nos EUA, Japão, Europa ou em qualquer outro lugar, inclusive o Brasil, que sejamos nós. O que eu acredito é que podemos fazer isto MELHOR se formos capazes de produzir todas as etapas de uma hq e mais, se formos capazes de criar personagens e histórias que realmente envolvam o leitor.


A intenção desta coluna é justamente falar de autores e histórias que ao longo dos mais de 200 anos e história dos quadrinhos contribuíram para o desenvolvimento da linguagem e dos mercados, sempre com um olhar crítico, outro “artigo” escasso atualmente.


Para começar, nada melhor do que falar de um dos autores mais talentosos e talvez o mais bem sucedido da história do quadrinho nacional (não eu não estou falando do Maurício de Souza, cujo sucesso econômico supera em muito os seus méritos como autor de hqs).


O quadrinista ao qual me refiro é o mineiro Henfil. Em cerca de 20 anos de carreira Henrique de Souza filho fez literalmente de tudo: Cartum, charge, cartilhas com temas políticos e sociais, tiras, histórias longas, colunas semanais, livros, programas de televisão, cinema, teatro, revistas mensais, além de ser o único autor nacional a conseguir entrar no esquema dos sindicates estadosunidenses (as distribuidoras de tiras que espalharam pelo mundo os quadrinhos do Charlie Brown, Calvin, Garfield e tantos outros, influenciando e sucateando simultaneamente as hqs em todo o ocidente).


Tudo chama a atenção no trabalho de Henfil. O traço caligráfico e original, perfeitamente adequado ao seu conteúdo, a forma em que publicava suas histórias, revolucionando a narrativa das tiras, a variedade de veículos que ele utilizava para veicular seu trabalho, o respeito da opinião pública pela qualidade de seu trabalho e o sucesso estrondoso de seus personagens, com destaque para os dois fradinhos, e o trio da caatinga, o cangaceiro Zeferino, o Bode Orelana e a Graúna, que foi considerada uma das 3 personagens femininas mais influentes da literatura brasileira.


Mais impressionante ainda é a influência que seu trabalho teve na vida política e cultural do país, principalmente no período da ditadura militar iniciada em 1964. Polêmico, Henfil parecia não ter medo das ameaças que sofreu ao longo de toda a década de 70, atacando de forma mordaz o poder instituído, criticando os costumes e chegando mesmo a brigar com seus leitores, que considerava muitas vezes acomodados e reacionários. Pouca gente sabe, mas ele foi o criador do slogan “Diretas Já” um dos catalizadores da campanha das diretas e do movimento que jogou a última “pá de cal” na ditadura militar. (Às vezes acho que pouca gente hoje sabe o que este slogan e até a campanha das diretas significaram)


Tudo isto e muito mais faz de Henfil um dos quadrinistas mais lembrado e comemorado do país, muitas de suas obras ainda podem ser encontradas em livrarias (livros e coletâneas) e na internet e tv, (vídeos e entrevistas).


A Biblioteca da Casa tem o privilégio de possuir a coleção completa do Fradim, revista mensal editada por ele nas décadas de 70 e 80, com o melhor trabalho produzido por ele, (que no auge vendia quase 100 mil exemplares mensais!) sem dúvida um dos tesouros mais valiosos do acervo e uma prova de que o humor de Henfil continua atual (feliz ou infelizmente, já que ele fala das incontáveis mazelas do Brasil). As piadas a seguir dão um pequeno exemplo disto.


Erick Azevedo (prof. Narrativa Visual)




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