sábado, abril 26, 2008

Abstrato

A abstração como recurso didático no Curso de Desenho Artístico Avançado da Casa das Artes Visuais.

por Eduardo Bernardes

“Um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou alguma anedota – é essencialmente uma superfície plana coberta de cores dispostas de uma certa maneira.”
Maurice Denis

As primeiras aulas do Curso de Desenho Artístico Avançado são dedicadas à in­trodução às técnicas de composição espacial. Composição, segundo Matisse, “é a arte de arranjar de maneira decorativa os diversos elementos de que o pintor dispõe para exprimir seus sentimentos” (apud CHIPP, 1996, p.128). Estes elementos, tais como abordados no DAA, são os considerados como essenciais às artes visuais: o ponto, a linha, a forma, a textura e a cor, além do plano pictórico bidimensional que é “a superfí­cie material destinada a suportar o conteúdo da obra” (Kandisnsky, 1997, p.105).


A metodologia utilizada nestas aulas privilegia, tanto nas imagens de referência quanto nos exercícios propostos, as expressões não figurativas, comumente conhecidas como abstração. Japiassú e Marcondes (2001) definem abstração como “operação do espírito que isola, para considerá-lo à parte, um elemento de representação, o qual não se encontra separado na realidade. Ex.: a forma de um objeto independentemente de sua cor”.


No caso do DAA consideramos a relação dos elementos com o espaço e com os outros elementos componentes da composição independentemente de sua representação objetiva. Ou seja, num primeiro momento, não nos interessamos pela construção das figuras (anatomia, estilo, etc.) e nos atemos à colocação das figuras no espaço.


A opção por exercícios e exemplos baseados na abstração, principalmente a geo­métrica, tem por objetivo manter o foco do aluno na construção do espaço. Ao termina­rem o curso de Desenho Artístico Fundamental, que trabalha principalmente a constru­ção das figuras, os alunos têm a justificada preocupação em construir bem seus perso­nagens. Esta preocupação, nas aulas que tratam da composição, torna-se um complica­dor na realização de exercícios cujo objetivo fundamental é a percepção espacial e a estruturação do espaço pictórico, pois os alunos tendem a gastar mais tempo na elabora­ção das figuras do que na análise das propostas do exercício.


Os exercícios são realizados com a utilização de réguas, esquadros, compassos e gabaritos de formas geométricas, instrumentos fundamentais para o desenhista e com os quais os alunos poucas vezes estão familiarizados. O aprendizado da utilização destes instrumentos de suporte é um dos objetivos complementares do DAA.


Jogos como o tangram, quebra-cabeça chinês baseado em figuras geométricas, é utilizado como meio de transição entre figuração e abstração, facilitando ao aluno a compreensão das propostas dos exercícios.


Exercícios de cunho puramente abstrato tornam a ser realizados diversas vezes no decorrer do curso, principalmente nas aulas de teoria cromática onde servem de suporte para estudos de harmonia e contraste. Novamente, nestes exercícios, propõe-se ao aluno que abra mão da figuração em favor de uma observação mais direta das relações entre cores e tonalidades e da prática com os materiais estudados. A utilização dos materiais, preenchimento de áreas, estudos de textura e escalas tonais são facilitados quando não há a preocupação em construir s figuras “corretamente”.


Não é objetivo do DAA hierarquizar conhecimentos. A construção das figuras deve ser continuamente aperfeiçoada e os professores devem estimular os alunos a bus­carem conhecimento e alternativas construtivas em relação aos objetos. Porém, o su­porte de estrutura composicional e técnica (aplicação adequada de tintas, texturas, etc.) que juntamente com a construção das figuras corresponde ao todo do desenho, têm no curso de Desenho Artístico Avançado seu momento específico no programa da Casa das Artes Visuais.


A utilização da abstração como recurso didático dá suporte para que o professor trabalhe em classe estas questões estruturais e técnicas isolando por momentos o aluno de suas preferências estilísticas e estimulando-o perceber o desenho como um todo.


Vale lembrar que após cada exercício “abstrato” realizado pelo aluno ele deve re­alizar outros, segundo suas preferências figurativas ou não, aplicando os conhecimentos adquiridos e praticados em sala.

Referências bibliográficas

CHIPP, Herschel Browing. Teorias da Arte Moderna. 2ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1996.

KANDINSKY, Wassily. Ponto e linha sobre plano. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia. 3ª ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

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