segunda-feira, julho 21, 2008

Os quadrinhos e a cura da alma


Falar da combinação quadrinhos/educação hoje em dia não é mais uma novidade. Embora tenha sido perseguido nos EUA na década de 50, hoje tem o reconhecimento de intelectuais como Umberto Eco. Em mais de 100 anos como veículo de comunicação de massa, sua utilização para fins educativos é impressionante. Nomes como os de Will Eisner nos EUA, e Osamu Tezuka no Japão, valeram-se dos quadrinhos para influenciar os costumes além de narrar verdadeiras epopéias. Na Europa, América Latina e no Brasil em particular, autores como Goscinny, Quino e Henfil fizeram dos quadrinhos instrumento de protesto e resistência à colonização cultural.

No entanto nem só de qualidades vivem as hqs, que durante um tempo igualmente longo foram (e ainda são) usadas como instrumento de manipulação ideológica, de um discurso imperialista, consumista, sexista e racista. Assim, não basta pensar que a leitura de qualquer história em quadrinhos é positiva, simplesmente pelas possibilidades de relação entre as imagens e o texto, auxiliando a alfabetização ou por sua utilização em quaisquer outras das disciplinas escolares. O fundamental é o conteúdo e, sobretudo, a hq é um ponto de partida, e não de chegada.

São poucos os educadores que têm consciência das reais possibilidades e da importância dos quadrinhos para a formacão e a transformação do indivíduo em estação repetidora de um sistema suicida ou em cidadão e sujeito de sua própria vida. Em uma pesquisa recente, constatou-se que as hqs são a segunda leitura mais freqüente entre os homens e a terceira entre as mulheres , perdendo apenas para textos religiosos e culinária!

O paralelo com os textos religiosos não é tão estranho quanto parece, visto que depois dos sonhos, as hqs são a experiência que mais se aproxima dos mitos que durante milênios moldaram a consciência da humanidade. E é justamente esta relação que explica, em parte, a violência presente em alguns quadrinhos e que torna tão avassaladoras histórias como Pokémons ou Dragon Ball. Acreditem ou não, elas são as legítimas herdeiras da Ilíada e da Odisséia.

Em todos estes anos de contato com os quadrinhos e quadrinistas, sejam eles meus alunos ou não, pude observar a profunda afeição e o valor dado por estas pessoas aos quadrinhos, bem como o poder de transformação desta relação que, no entanto não deve ser vista como uma brincadeira inofensiva. É o que nos adverte Carl G. Jung, considerado um dos pais da psicanálise, ele afirmava que o nosso inconsciente se comunica conosco através de símbolos imutáveis que são denominados arquétipos e que suas mensagens revelariam de forma cifrada, aspectos de nossa totalidade que estariam sendo negligenciadas pelo nosso consciente.

Esta negligência seria a responsável por todos os distúrbios psíquicos e conseqüentemente, por boa parte dos problemas da humanidade. Nas palestras e cursos que tenho ministrado para educadores e psicólogos, venho insistindo na urgência de um aprofundamento no universo dos arquétipos e do uso das hqs como ferramenta privilegiada para se formar a identidade do indivíduo.Também na necessidade de reformular o próprio método de ensino e os objetivos e expectativas escolares. É um trabalho árduo, mas que tem gerado frutos que a cada dia reafirmam estas certezas que me acompanham à muito tempo, desde uma época onde os heróis realmente existiam em que eu, como tantos outros, acreditava ser um deles.

Erick Azevedo (prof. Narrativa Visual)

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