quinta-feira, março 17, 2011

Animação total

Produção brasileira de desenhos animados chama a atenção do mercado internacional, com intensa oferta de filmes para a TV. Estúdios sonham conquistar espaço nos canais abertos
Walter Sebastião

2011, o ano da animação brasileira, começou com o lançamento do primeiro longa-metragem nacional em 3D: Brasil animado, de Mariana Caltabiano e Marcelo Siqueira. Até o fim do mês, estreia Rio, o novo filme do carioca Carlos Saldanha, diretor do blockbuster A era do gelo. Entretanto, a novidade vem das séries nacionais, que trocam os canais a cabo pela TV aberta – emissoras públicas e culturais basicamente, mas não só elas. A partir de abril, elas começam a ser exibidas em horários dedicados às crianças. Vem por aí mais de uma dezena de produções, o que revela a movimentação de estúdios pouco conhecidos, interessados em fazer do Brasil a nova referência da animação mundial. 

O fenômeno tem explicação: há cerca de uma década são desenvolvidas ações para incentivar o desenho animado brasileiro. Isso envolveu recursos por meio de vários projetos e convênios internacionais, como o firmado com o Canadá – autoridade no assunto. Resultado: os filmes nacionais começam a chamar a atenção. Artigo de uma revista inglesa, por exemplo, informa que a animação latino-americana entrou no mercado para concorrer com os asiáticos. Refere-se a trabalhos brasileiros, argentinos e mexicanos. A marca verde-amarela é criatividade, o bom humor e a qualidade artística. 

Varginha 

Um elefante cai do céu diretamente no cerrado, onde encontra simpática tamanduá vegetariana. A dupla passa a viajar pelo mundo em trem a vapor, abrigo de uma colônia de cupins. Esses bichinhos, convictos de que vieram de outro planeta, querem chegar a Varginha, no Sul de Minas, pois a cidade tem fama de ser aeroporto de disco voador. Assim é a série Tromba trem, com 13 episódios, cuja estreia está prevista para abril nas TVs Cultura e Brasil. “Nosso roadmovie não tem antagonista nem protagonista. É humor do princípio ao fim”, explica Felipe Tavares, de 27 anos, integrante do carioca Copa Stúdio, responsável pelo trabalho. 

“A vantagem é que há investimento público, além de ser produção mais barata e de contarmos com a demanda da televisão. Só a expectativa de trabalho continuado é muito promissora”, explica Felipe. “Nossa proposta é fazer do Brasil um novo nicho de ideias, desenvolver animação com conteúdo e não só ficar finalizando trabalhos internacionais”, afirma. O Copa tem três anos e reúne gente que vive de animação há 10. Começou com quatro pessoas, hoje tem 23 e já trabalhou para outros estúdios, inclusive o de Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica. O projeto dos cariocas é levantar recursos nessa primeira etapa para fazer mais 13 episódios, além de negociar com emissoras da América Latina. 

Veterana 

O sonho do Copa Stúdio já é realidade para a paulista TV Pinguim. A série Peixonauta, de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, há dois anos é exibida pelo canal pago internacional Discovery Kids, que a comprou de emissoras brasileiras. Foi o programa mais assistido na emissora em 2009 e 2010, vendido para 66 países, tem sete DVDs lançados e caminha para se tornar longa-metragem. No momento, há negociações com a TV aberta brasileira. 

Célia Catunda diz que a aposta em séries é acertada: “No mundo inteiro, as TVs estão em busca de conteúdo. A demanda é enorme”. Ela atribui a boa recepção de Peixonauta à originalidade e à simplicidade da ideia, o que pode ser percebido no desenho – as pessoas o veem e já acham engraçado. O objetivo, conta a diretora, é falar para a criança com mensagens otimistas, valorizando o convívio saudável e a solução de conflitos sem violência. Ela não esconde, como mãe, “o incômodo com a violência verbal” de atrações do gênero. “O problema é a criança imitar o que vê na TV”, adverte. 

Célia Catunda trabalha com animação há 20 anos e confirma que a produção brasileira vive momento especial. “Há perspectivas de realizar projetos, o que não existia quando comecei. Até meu pai me desestimulou depois de saber que eu trabalharia com desenho”, recorda. “Euforia é bom, faz acreditar nos projetos, mas precisamos ter os pés no chão. A concorrência com os enlatados nos desafia”, pondera. A diretora de Peixonautas defende legislação que garanta o mínimo de produção nacional nas diversas telas. 

“Temos produção variada, com muito humor, música, colorida, com energia de país tropical”, observa. Ela tem projetos de longa-metragem – entre eles está Tarsilinha, inspirado na vida da pintora modernista Tarsila Amaral. 


Diálogo 

“Este ano, vamos fortalecer nossa presença no mercado e iniciar o processo de aproximação com a televisão, abrindo o diálogo”, afirma Marta Machado, presidente da Associação Brasileira de Animação (ABCA). Ela explica que as televisões públicas e culturais são apenas as primeiras interlocutoras, ressaltando a curiosidade de todo o mercado em saber o que estúdios do Brasil estão fazendo. “Para o estágio em que estamos e com a mão de obra que temos, é mais fácil criar produtos que se encaixam mais na grade da TV que no cinema”, observa. 

De acordo com Marta, o problema com relação a longas e ao cinema é, em primeiro lugar, o fato de ser janela limitada, enquanto a televisão demanda permanentemente conteúdo. Depois, há o descompasso entre os resultados de filmes de milhões de dólares e os trabalhos nacionais, a maioria de baixo orçamento. A diretora da ABCA avisa: o mercado para crianças, em qualquer país, é limitado. Uma lacuna da produção nacional: a animação para outros públicos, inclusive o adulto. Esse caminho tem futuro, garante Marta Machado. 



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